
Princípios fundamentais do processo penal
O processo penal é o conjunto de atos preordenados na lei com o objetivo específico de descobrir se houve ou não crime, os seus agentes e a sua correspondente responsabilidade, decidir quanto a essas questões e executar as mesmas.
Uma finalidade e princípio do processo penal é a justiça penal – a ser concretizada através do processo, de modo a oferecer à população uma garantia da eficácia do mesmo e a manutenção da paz social. No entanto, esta justiça não poderá ser prosseguida e aplicada de qualquer maneira, ao sabor dos poderes do tribunal ou do ministério público.
O direito penal só se aplica na prática através do processo penal, pelo que o direito penal se apresenta com um caráter instrumental necessário ao processo, tal como a aplicação de uma medida penal só pode ser aplicada através de uma sentença penal proferida no âmbito de um processo penal, realizada em termos válidos (princípio da legalidade – “nulla poena e nulla culpa sine judicio”), pelo que, os direitos, liberdades e garantias constitucionalmente consagrados se apresentam como limites de ação no processo.
Assim, o processo penal português como o conjunto de regras concretizadoras do direito penal e da justiça penal, encontra grande parte da sua formulação num modelo acusatório de processo. Ao invés do verificado num sistema inquisitório puro, no qual o arguido se apresenta como o verdadeiro objeto do processo onde será “culpado até prova em contrário”, no sistema penal português vingam vários princípios que se apresentam como corolários de um verdadeiro Estado de Direito, protetor da presunção da inocência e da garantia de um processo equitativo.
Analisemos então os princípios fundamentais consagrados no Processo Penal:
Toda a causa deve ser julgada pelo juiz pré-constituído por lei de modo a evitar a designação arbitrária de um juiz para julgar e decidir um caso determinado, a criação post factum de tribunais de exceção ou o desaforamento discricionário. Assim se entende pelo princípio do juiz natural ou legal consagrado no artigo 32º/9 da Constituição da República Portuguesa (CRP).
O princípio do acusatório determina que o tribunal de julgamento não pode julgar sem que previamente haja uma acusação formal por uma entidade institucionalmente distinta, independente e autónoma da que julga. A entidade com poderes de julgamento só pode conhecer e decidir sobre o que é chamado a decidir pela entidade acusatória em termos factuais, ou seja, o objeto do julgamento é o caso concreto em questão.
É necessário fazer referência ao sistema acusatório puro de matriz liberal e democrática anglo saxónica no qual o juiz é uma entidade passiva e age como verdadeiro árbitro da legalidade das iniciativas processuais. No sistema português, temos presente uma estrutura acusatória mitigada pela busca da verdade material ou da investigação oficiosa (artigo 315º do CPP), ou seja, o objeto do processo é indisponível para os sujeitos e os factos são o objeto do julgamento, conduzindo a uma ação ativa e, no entanto, imparcial do juiz. Assim, o juiz é investido de um poder-dever de investigação oficiosa, na procura da verdade material, consoante o disposto no artigo 340º do CPP.
Este princípio é o contrário ao modelo inquisitório próprio das conceções absolutistas, segundo o qual o juiz investiga, acusa e julga em plena liberdade, sem depender de acusação nem dos limites dela. Existe então uma prerrogativa de acesso ao processo, segundo o qual o arguido sabe em que termos se encontra no mesmo (artigo 32º/5 da CRP).
O princípio do contraditório (artigo 32º/5 da CRP) consiste no direito global de audiência de todos os sujeitos processuais relativamente a todas as questões cuja decisão judicial sejam suscetíveis de afetar a sua esfera jurídica.
A acusação e a defesa devem dispor de iguais oportunidades e meios de expor e demonstrar perante o juiz as suas razões de facto e de direito e que a ambas sejam atribuídos meios ou instrumentos jurídicos igualmente eficazes para atingir em plenitude os objetivos de cada uma – a isto se reconduz o princípio da igualdade de armas (artigo 32º/1 da CRP).
O princípio da averiguação da verdade material ou da investigação atribui ao juiz o poder-dever de investigar a verdade histórica. Não obstante, a procura da verdade material tem que respeitar a dignidade humana e todos os direitos fundamentais humanos que constituem limites à investigação (artigos 1º, 18º/2, 27º/2, 32º4 e 202º/1 da CRP).
O princípio da presunção legal de inocência (artigo32º/2 da CRP) apenas releva no âmbito da questão de facto com importantes reflexos em matéria de medidas de coação e de apreciação da prova – caráter excecional ou subsidiário da prisão preventiva e a regra in dubio pro reo segundo o qual, a dúvida razoável sobre os factos que interessam à definição da responsabilidade do arguido resolve-se sempre a favor dele.
O princípio da garantia de todos os meios de defesa e de um processo equitativo (artigos 20º/4 e 32º/1 da CRP) pressupõe um leal acusatório e contraditório e um juiz independente e imparcial.
O princípio do direito a defensor (artigos 32º/3 da CRP e 62º/1 e 64º do CPP) diz-nos que relativamente a todos os atos do processo a que o arguido deva ou possa estar presente, este tem direito a fazer-se acompanhar de defensor que deverá ser um advogado ou advogado estagiário em certos casos. O arguido pode constituir advogado em qualquer altura do processo. No entanto, há atos processuais em que a presença do defensor é obrigatória. O defensor é um órgão autónomo da administração da justiça, cuja função é a de contribuir para a realização do direito, apresentando e sustentando a verdade que favorece o arguido.
O princípio da celeridade (artigos 20º/4 e 32º/2 da CRP) equivale ao direito a um processo examinado e julgado em tempo razoável.
O princípio da publicidade (artigo 206º da CRP) substancia-se no direto de assistência pelo público em geral à realização dos atos processuais, da narração dos atos processuais ou reprodução dos seus termos pelos meios de comunicação social e na consulta do processo e obtenção de cópias, extratos e certidões. O processo penal é público desde o seu início, ressalvadas as exceções previstas na lei (segredo de justiça – artigo 86º do CPP).
O princípio da unidade ou indivisibilidade refere-se ao objeto do processo e ao tema da investigação e base da decisão final do juiz, os quais devem ser conhecidos na sua totalidade, unitária e indivisivelmente, não podendo a acusação pretender uma consideração parcial do caso. Do mesmo modo, o princípio da consunção determina que o objeto do processo se deve considerar irrepetivelmente decidido – garantia ne bis in idem (artigo 29º/5 da CRP).
Quanto ao direito probatório, é permitido tudo o que a lei não proibir (artigo 125º do CPP) e vale o princípio da livre apreciação da prova, isto é, no ato de valorar a prova a fim de se decidir pelo que considera provado ou não provado, a entidade competente está sujeita às regras da experiência e da sua livre convicção (artigo 127º do CPP).
O princípio da oficialidade atribui ao Ministério Publico (MP) a titularidade de um poder de iniciativa do processo e das diligências necessárias à sua investigação e deduzir a subsequente acusação, traduzida na chamada “ação penal” (artigos 219º/1 da CRP e 48º do CPP).
O MP tem o dever de agir segundo o princípio da legalidade, instaurando e prosseguindo o competente procedimento sempre que se verifiquem os pressupostos legais (artigos 219º/1 da CRP e 262º/2 e 283º do CPP).
O principio da economia processual reduz-se à ideia de que não se devem praticar atos inúteis no decurso do processo (artigos 291º/1 a 3 e 240º/1, alíneas a) e c) do CPP).
A prestação de quaisquer declarações deve ser feita por via oral (artigo 96º do CPP), a proferição da sentença deve caber ao juiz que assistiu à produção das provas e à discussão oral da causa e os atos devem ser praticados sem interrupção, em continuidade e no mesmo local (artigos 304º/1, 307º/1, 318º, 319º, 328º/1 e 365º/1 do CPP). São estes os princípios da oralidade, imediação e concentração. A imediação garante que a decisão seja dada pelo juiz que está em condições de melhor conhecer as provas e as posições contraditórias dos sujeitos processuais sobre elas; a concentração evita a descontinuidade da atenção e garante a frescura da memória do juiz relativamente às provas; a oralidade dá conteúdo aos princípios do contraditório e da publicidade.
O processo pressupõe a sua própria suficiência, ou seja, o processo penal basta-se a si mesmo não dependendo da prévia ou simultânea instauração de outro processo de diferente natureza, resolvendo-se todas as questões seja de que natureza forem (artigo 7º do CPP).
Artigo de opinião escrito pela Dra. Joana Pinto de Sousa – Advogada Associada na CEG & Associados.