
O divórcio sem o consentimento do outro cônjuge
O divórcio sem o consentimento do outro cônjuge: Dispensa da Tentativa de Conciliação em casos de violência doméstica e breve ressalva sobre o divórcio por mútuo acordo e sobre a partilha de bens no âmbito da comunhão de adquiridos.
Até recentemente, todos os processos de divórcio sem o consentimento do outro cônjuge exigiam que numa fase inicial fosse realizada uma tentativa de conciliação entre as partes (nos termos e para os efeitos do art. 1779.º, n.º 1 do Código Civil doravante CC).
Contudo, quando se verifica a prática de um crime de violência doméstica (previsto e punido pelo art. 152.º do Código Penal), e consequentemente, a formalização de uma denúncia, esta fase inicial do processo de divórcio torna-se num momento de maior vulnerabilidade e angústia para a vítima, obrigando-a a estar mais uma vez, frente a frente com o seu agressor, sendo possivelmente sujeita a novos maus-tratos, inclusive a nível psicológico, em sede de audiência.
Especialmente quando em grande parte dos casos ainda se verifica a existência de uma certa dependência emocional, e por vezes económica, da vítima perante o agressor.
Salvo melhor opinião, compete então ao sistema judicial assegurar que a vítima seja protegida de todos os atos que possam colocar em causa o seu bem-estar físico e emocional, e ainda a sua segurança.
Não nos pudemos esquecer que um processo de divórcio, bem como, praticamente todos os processos do âmbito do Direito da Família, apresentam dificuldades acrescidas, visto que estamos a expor setores da vida particular e íntima das pessoas, sendo necessário um maior cuidado e atenção do nosso ordenamento jurídico para a regulamentação destas matérias.
Porquanto, e especialmente pela complexidade que subsiste num processo de divórcio sem o consentimento do outro cônjuge, as partes devem constituir obrigatoriamente (por força da lei) advogado, para que seja possível assegurar a defesa dos direitos, liberdades e garantias dos intervenientes, sobretudo quando estamos perante um término definitivo de uma relação que já se encontra debilitada.
Todavia, com a entrada em vigor da Lei n.º 3/2023 de 16 de Janeiro, o nosso ordenamento jurídico veio oferecer às vítimas de violência doméstica a possibilidade de prescindir desta tentativa de conciliação, fornecendo-lhes novamente o controlo que poderão ter perdido no decurso de uma relação abusiva, tendo o legislador provindo às necessárias alterações em sede do Código Civil e também do Código de Processo Civil.
Atualmente, o art. 1779.º, n.º 2 CC, prevê que caso o(a) réu(ré) seja arguido(a) ou tenha sido condenado(a) pela prática de um crime de violência doméstica contra o(a) autor(a) do processo de divórcio, poderá ser requerida a dispensa da tentativa de conciliação, devendo o juiz advertir o(a) autor(a) desta faculdade.
Porém, embora estas alterações tenham sido efetuadas, certo é que toda a restante tramitação do processo de divórcio tem de se verificar para que o mesmo seja decretado, saltando-se apenas a fase, caso a vítima assim o pretenda, da tentativa de conciliação.
Contudo, certo é, que em grande parte dos casos o divórcio ocorre por vontade de ambas as partes, sendo neste caso denominado por: Divórcio por mútuo consentimento.
E, por isso, torna-se relevante mencionar que nos termos do art. 1775.º CC, para que o divórcio, neste caso, seja consumado/decretado, às partes têm de estar em acordo relativamente:
- Ao destino da casa de família;
- Às responsabilidades parentais (caso existam filhos menores);
- Ao destino dos animais de companhia, caso existam;
- Ao valor da pensão de alimentos ao ex-cônjuge – caso assim as partes o pretendam, e uma das partes careça desta atribuição.
Sendo ainda exigido pelo artigo anteriormente mencionado (art. 1775.º, alínea a) CC), a relação específica dos bens comuns, com a indicação dos respetivos valores.
Ultrapassadas cada uma destas questões, sendo o divórcio homologado, todas as relações patrimoniais irão cessar, devendo as partes proceder posteriormente à partilha dos bens do casal, de acordo com o art. 1689.º, n.º 1 CC.
As partilhas, ocorrem através do processo de inventário – regulado pelos artigos 1082.º e seguintes do Código de Processo Civil (doravante CPC), onde deve ser apresentada a identificação de todos os bens que deverão distribuídos, tornando-se necessário entender quais são as esferas jurídicas que devem e podem ser partilhas.
Meramente a título de exemplo, e apenas por ser o regime mais comum no ordenamento jurídico português, no caso do regime da comunhão de adquiridos existem três esferas jurídicas de bens:
- Bens próprios do cônjuge-1;
- Bens próprios do cônjuge-2;
- Bens comuns – elencados no art. 1724.º CC (que em regra, são adquiridos na constância do matrimónio);
Quer isto dizer, que os intervenientes terão direito a manter a sua esfera de bens próprios – bens que não faziam parte da comunhão e definidos no art. 1722.º CC, e ainda à partilha de metade (à sua meação) de todos os bens comuns, conforme estipulado pelo art. 1730.º, n.º 1 CC.
Todavia, o passivo da comunhão também terá de ser partilhado, ou seja, o capital em dívida terá de ser apresentado em sede de processo de inventário, tendo em conta que será suportado por ambos os (ex-)cônjuges de forma igual (metade para cada um).
Não obstante, tendo em conta as particularidades de todas as áreas do Direito da Família, que devem ser analisadas com sensibilidade e caso a caso, sempre que existirem dúvidas ou considerar que os seus direitos e interesses poderão ser lesados, não hesite em recorrer a um advogado.