
Novos avanços no mundo digital
O Decreto-Lei nº 126/2021
Foi publicado, no passado dia 30 de dezembro, o Decreto-Lei nº 126/2021 (Decreto-Lei), que estabelece o regime jurídico aplicável à realização, através de videoconferência, de atos autênticos, termos de autenticação de documentos particulares e reconhecimentos. O diploma pretende ser uma resposta à crescente procura e utilização – que a pandemia impulsionou significativamente – de serviços online.
Efetivamente, o mundo atual é caracterizado por uma revolução industrial à qual o Direito não fica indiferente. Já assistimos à digitalização dos processos judiciais, ao uso de técnicas de ciência de dados e de inteligência artificial, de plataformas de acordo e de automatização de documentos jurídicos, entre outras ferramentas cada vez mais comuns.
Assim sendo, não causa estranheza o surgimento deste regime, que promete um elevado impacto no comércio jurídico, à disposição de cidadãos, empresas e profissionais por ele abrangidos.
Deste modo, quanto ao seu âmbito de aplicação, o Decreto-Lei destina-se a:
- Atos a realizar por conservadores de registos e oficiais de registos:
- procedimento especial de transmissão, oneração e registo imediato de prédios em atendimento presencial único, criado pelo Decreto-Lei n.º 263 -A/2007, de 23 de julho, na sua redação atual;
- processo de separação ou divórcio por mútuo consentimento, regulado pelo Decreto-Lei n.º 272/2001, de 13 de outubro, na sua redação atual;
- procedimento de habilitação de herdeiros com ou sem registos, previsto no artigo 210.º-G do Código do Registo Civil, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 131/95, de 6 de junho, na sua redação atual.
- Atos a realizar por notários, agentes consulares portugueses, advogados ou solicitadores todos os atos da sua competência, com exceção dos:
- Testamentos e atos a estes relativos;
- Atos relativos a factos sujeitos a registo predial que não respeitem a:
1 – Factos jurídicos que determinem a constituição, o reconhecimento, a aquisição, a modificação ou a extinção dos direitos de propriedade, usufruto, uso e habitação, superfície ou servidão;
2 – Factos jurídicos que determinem a constituição ou a modificação da propriedade horizontal;
3 – Promessa de alienação ou oneração de imóveis, se lhe tiver sido atribuída eficácia real, ou a cessão da posição contratual emergente desse facto;
4 – Hipoteca, sua cessão, modificação ou extinção, a cessão do grau de prioridade do respetivo registo e a consignação de rendimentos.
Este é um regime de natureza facultativa, ou seja, os intervenientes apenas a ele recorrem quando assim o pretendam.
Para tal, é disponibilizada pelo Ministério da Justiça uma plataforma informáticapara a prática destes atos.
Essa plataforma é gerida pelo Instituto dos Registos e do Notariado em articulação com o Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça.
A plataforma permite, entre outras funcionalidades:
- Submeter documentos instrutórios;
- Aceder às sessões de videoconferência;
- Consultar o histórico dos atos em que foi interveniente;
- Agendar a realização de atos e sessões de videoconferência (área reservada aos profissionais).
O acesso dos intervenientes à área reservada é feito através do cartão de cidadão ou chave móvel digital. Estes podem fazer-se acompanhar nos atos por advogado ou solicitador, presencialmente ou à distância, sendo feita referência a essa circunstância nos documentos lavrados.
Contudo, chama-se a atenção para a necessidade de verificação da identidade, tanto dos intervenientes como dos profissionais que os acompanham, que é feita da seguinte forma:
- A identidade dos profissionais (e.g., conservadores de registo ou notários) e de advogados ou solicitadores que acompanhem os intervenientes, através de autenticação na plataforma eletrónica;
- A verificação dos intervenientes efetua-se por via da autenticação na plataforma eletrónica e ainda pelo:
(i) confronto dos elementos de identificação do interveniente com a imagem facial da pessoa e com as respostas dadas às questões colocadas pelos profissionais; ou pelo
(ii) recurso a sistema biométrico de comparação das imagens do rosto recolhidas em tempo real com a imagem do sistema de informação responsável pelo ciclo de vida do cartão de cidadão.
Assim, o profissional deve recusar a prática do ato sempre que tiver dúvidas sobre a identidade, a livre vontade e a capacidade dos intervenientes, a genuinidade ou a integridade dos documentos apresentados ou quando não se verifiquem as condições técnicas necessárias, estabelecendo-se algumas obrigações formais de modo a prevenir possíveis situações em que a vontade exteriorizada dos intervenientes não corresponda à sua vontade real, como, por exemplo, a obrigação do profissional solicitar aos intervenientes que mostrem o espaço em seu redor, e a impossibilidade dos intervenientes desativarem a captação de imagem ou som durante a sessão de videoconferência.
Verificados estes pressupostos, os documentos têm de ser assinados digitalmente pelos intervenientes e submetidos na plataforma informática, tendo o mesmo valor de prova dos atos realizados sob a forma presencial.
A preterição das formalidades instituídas pelo Decreto-Lei determina a nulidade dos atos realizados ao seu abrigo.
Por fim, os intervenientes têm acesso a uma cópia eletrónica do documento lavrado.
O Decreto-Lei entra em vigor no dia 4 de abril de 2022 e vigorará pelo período de dois anos.
No final da sua vigência, este regime será objeto de avaliação pelo Governo, ouvidas a Ordem dos Advogados, a Ordem dos Notários e a Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução, com ponderação do seu nível de implementação, do seu âmbito de aplicação, do modelo tecnológico de suporte à realização dos atos e respetiva sustentabilidade financeira.
A meu ver, e em jeito de conclusão desta breve exposição, estamos perante um passo importante no que toca à utilização de tecnologia na prestação de serviços jurídicos. Será justo dizer que o mundo digital tem facilitado e melhorado a vida dos profissionais e demais intervenientes no comércio jurídico.
Ainda que possam existir dúvidas fundadas quanto à segurança e ao acesso a este tipo de plataformas digitais, parece-me razoável afirmar que este regime irá simplificar os atos a que se destina, evitando deslocações, com os custos associados, desnecessárias para o efeito pretendido, correspondendo, portanto, aos interesses das partes envolvidas.
Sendo certo que este é, para já, um diploma temporário, acauteladas as dúvidas suscitadas e com um bom funcionamento – mesmo que, eventualmente, haja pormenores técnicos a corrigir – estamos perante uma nova e relevante ferramenta que veio para ficar.
Artigo de opinião escrito por Henrique Melo Pacheco – Advogado estagiário na CEG & Associados.