(In)cumprimento do dever de apresentação à Insolvência e a Exoneração do Passivo Restante
O Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE) surge com a expressa finalidade “de satisfação dos credores pela forma prevista num plano de insolvência (…)”.
Todavia, para que o devedor seja declarado insolvente tem de se apresentar à Insolvência, conforme regulado no artigo 18º, no 1 do CIRE, no prazo de 30 dias a partir do momento em que tem conhecimento ou deveria ter conhecimento de que está impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas.
Em bom rigor, um dos efeitos da declaração de insolvência é a exoneração do passivo restante. Podendo desde logo referir-se que se trata de uma medida de proteção do devedor – conforme regulado nos artigos 235º a 249º do CIRE – significando isto que se trata de um mecanismo de “libertação” do devedor das dívidas desde o despacho que declara a exoneração do passivo restante até ao termo encerramento da mesma. Equiparando-se assim a exoneração do passivo restante a um novo começo, ao chamado “fresh start” na jurisprudência insolvencial.
Centrando-nos apenas no que concerne à possibilidade de se indeferir liminarmente a exoneração do passivo restante, iremos tecer algumas observações.
Ora, de acordo com o disposto no normativo 238º, nº1 al. d) CIRE, para que o despacho seja de indeferimento liminar da exoneração do passivo restante, deverá verificar-se três requisitos essenciais, nomeadamente:
– incumprimento da atempada apresentação à insolvência (art. 18º CIRE);
– causar prejuízo aos credores; e
– (des)conhecimento grave da sua situação económica.
Atendendo desde logo ao requisito do incumprimento do dever de apresentação, podemos chamar àcolação as pessoas singulares titulares de empresa e as pessoas singulares não titulares de empresa.
Isto porque este dever de apresentação só se encontra como instituído para as pessoas singulares titulares de empresa. Querendo com isto dizer que sobre estas pessoas impende o dever de apresentação no prazo de 30 dias desde o conhecimento da sua situação de insolvência.
Em concreto, e no caso de prejuízo dos credores, deve interpretar-se que este prejuízo terá de ser analisado e provado para que haja despacho de indeferimento da exoneração.
Apesar de na maioria da jurisprudência se decidir que não se presume o prejuízo dos credores 1 2, o Acórdão Tribunal da Relação do Porto de 07/09/2010 considera lícita a presunção do prejuízo3.
No nosso entendimento, consideramos que deverá esse mesmo prejuízo ser analisado casuisticamente e, feita prova desses mesmos prejuízos. Porque, e no caso de juros de mora pelo atraso no pagamento, em concreto, estes não poderão ser considerados prejuízos porque a própria finalidade do juro moratório é o ressarcimento do credor pela mora do devedor.
Analisando na perspetiva das pessoas singulares não titulares de empresa este dever já não se verifica – havendo apenas e só uma mera obrigação de apresentação que nunca será considerada insolvência culposa devido à sua apresentação fora do prazo ou por omissão ou na demora da apresentação.
Sucintamente e, de modo a acautelar esta situação de dever de apresentação ou não à insolvência recomendamos que consultem um Advogado para o apoio jurídico no seu caso concreto.
1 Cfr.,acórdão Tribunal da Relação de Coimbra (TRC) de 11/07/2012, processo no 1058/11.2TBCNT-C.C1 relator Freitas Neto, no sentido em que o “prejuízo para os credores tem de ser concretamente comprovado por factos que o consubstanciem, e que não devem ser confundidos com o mero incremento do passivo em função da contagem dos juros.”
2 Cfr. acórdão Tribunal da Relação do Porto (TRP) de 10/05/2021, processo no 2636/20.4T8STS-C.P1, relator Carlos Gil, que refere que “não há assim prejuízo que, automaticamente, decorra do retardamento na apresentação à insolvência, nomeadamente, pelo facto de os juros associados a créditos em dívida se acumularem no decurso desse atraso, pois que tais juros, no atual regime da insolvência, se continuam a contar mesmo depois da apresentação à insolvência.”
3 Em sentido diverso ao que se vem alegando, o Acórdão TRC 07/09/2010, processo no 72/10.0TBSEI-D.C1, relator Artur Dias que refere que “no incidente de exoneração do passivo restante, apurado que o requerente incumpriu o dever de apresentação à insolvência ou, não tendo tal dever, não se apresentou no prazo de seis meses previsto na al. d) do no 1 do arto 238o do CIRE, é lícito presumir judicialmente o prejuízo para os credores.”